Do Ebola ao Sabiá: pesquisadora brasileira é treinada nos EUA para lidar com vírus letais
21/09/2025
(Foto: Reprodução) Do Ebola ao Sabiá: pesquisadora brasileira é treinada nos EUA para lidar com vírus letais
Já pensou em ter a vida investigada pelo FBI para trabalhar com vírus letais? Foi isso que aconteceu com a cientista do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), Jacqueline Shimizu, ao participar de um treinamento de biossegurança nível 4 (NB4).
A analista de desenvolvimento tecnológico foi à University of Texas Medical Branch (UTMB Health), nos Estados Unidos, para se especializar no manejo de agentes biológicos altamente perigosos, como os vírus Ebola e Sabiá.
O Sabiá é o vírus causador da febre hemorrágica brasileira, uma doença rara e de alta letalidade (saiba mais abaixo).
👩🔬 A doutoranda em microbiologia diz que a experiência foi desafiadora: são cerca de 100 horas de treinamento com pesquisadores capacitados antes de ser liberada para trabalhar de forma independente no ambiente NB4.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Campinas no WhatsApp
"Eu fiquei muito emocionada de saber que é o único vírus NB4 brasileiro. E eu, brasileira, pude ter o treinamento, graças a essas parcerias que o CNPEM tem feito, para pesquisar um pouco mais sobre um vírus que existe no Brasil", relembra Jacqueline sobre a emoção de manusear o vírus pela primeira vez.
Jacqueline passou um ano no treinamento teórico antes de ser considerada apta a trabalhar em um laboratório ativo com vírus infecciosos. Antes de viajar, ainda participou de um treinamento introdutório no CNPEM, em parceria com a Universidade da Califórnia, voltado à capacitação NB4.
Durante a parte burocrática inicial, Jaqueline precisou enviar todos os documentos ao Federal Bureau of Investigation (Departamento Federal de Investigação), o FBI, que fez uma análise do histórico da pesquisadora, incluindo antecedentes criminais, para que ela pudesse, enfim, iniciar os estudos.
Jaqueline vestindo a roupa necessária para acessar laboratório de biossegurança NB4
Gabriella Ramos/g1
Trajetória acadêmica
Jaqueline, que fez bacharelado, mestrado e doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que nunca imaginou trabalhar em um laboratório NB4, mas se interessava por vírus e microbiologia desde o início da carreira.
Durante a pandemia, a cientista integrou a força-tarefa contra a Covid-19 do CNPEM, participando de iniciativas para encontrar soluções contra o vírus.
"Eu já tinha experiência em laboratórios de bioconferência. Tinha contenção NB1, NB2 e NB3, o que me trouxe para trabalhar com o SARS-CoV-2, que é NB3. Conforme adquiri conhecimentos, fui me capacitando para ir a um laboratório NB4 e fazer o treinamento", comenta.
Jacqueline passou um ano fora para realizar o treinamento
Gabriella Ramos/g1
O que é o Sabiá?
O vírus Sabiá é o causador da febre hemorrágica brasileira, uma doença rara e de alta letalidade. Ele reapareceu no Brasil em janeiro de 2020, em São Paulo, o primeiro caso depois de 20 anos.
O nome vem do bairro Sabiá, em Cotia (SP), onde a primeira vítima teria sido registrada. Pouco estudado, o vírus foi isolado no Brasil nos anos 1990 e é o único patógeno brasileiro classificado na classe mais alta de risco biológico.
Houve somente quatro mortes registradas: duas em Cotia e Espírito Santo do Pinhal (SP), e duas entre trabalhadores de laboratório. A forma de infecção é incerta e o hospedeiro ainda é desconhecido, exigindo mais estudos.
"A gente precisa fazer pesquisas para entender um pouco melhor esse vírus e também o diagnóstico dele, e assim como tratamentos, porque atualmente a gente não tem nem vacina, nem nenhum composto que funcione como antiviral contra essa infecção", analisa Jacqueline.
Ainda segundo a analista, no início, ela sentiu medo de manusear o vírus, mas a disciplina exigida em laboratórios com esse nível de biossegurança aumentou a confiança.
Além do vírus brasileiro, Jaqueline participou de projetos com outros vírus NB4. Ela pesquisou Ebola, Marburg e Junin - que causa febre hemorrágica na Argentina - e também o Lassa, da mesma família do Sabiá, mais comum na África Ocidental.
Orion
🌟 Além de ser pioneiro na América Latina, o projeto Orion será o primeiro laboratório de máxima contenção biológica do mundo conectado a uma fonte de luz síncrotron, o Sirius, permitindo análise de agentes altamente infecciosos.
“É um projeto extremamente importante por uma questão não só de soberania da pesquisa científica brasileira, porque atualmente a gente não tem nenhuma instalação no Brasil que nos permite pesquisar esse tipo de vírus”, afirma.
Jacqueline relembra que, durante o treinamento no exterior, vários pesquisadores estrangeiros demonstraram interesse no projeto. “É até gratificante ver que eles falam assim, porque eles têm essa ideia de que é uma infraestrutura única no mundo e eles estão muito animados para a colaboração com o CNPEM nessa área”.
Em construção no campus do CNPEM, o maior investimento nacional em ciência na história do Brasil, o laboratório terá 29 mil metros quadrados e deve ser inaugurado em 2027. O custo estimado da obra é de R$ 1,5 bilhão.
Imagem área mostra área onde está sendo construido o Orion ao lado do Sirius, acelerador de partículas que fica no CNPEM, em Campinas (SP)
CNPEM/Divulgação
*Estagiária sob supervisão de Gabriella Ramos.
VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Veja mais notícias da região no g1 Campinas