‘Macho mais velho de Paranapiacaba’: conheça a história da onça flagrada por turista em estrada
02/10/2025
(Foto: Reprodução) Motorista é surpreendido ao flagrar onça-pintada em estrada de São Miguel Arcanjo
Recentemente, um vídeo ganhou as redes ao mostrar um encontro raro: uma onça-pintada (Panthera onca) foi registrada por um motorista que trafegava por uma das estradas que cortam o Parque Estadual Carlos Botelho, em São Miguel Arcanjo (SP). A cena, compartilhada pela Fundação Florestal, já ultrapassa 450 mil visualizações e despertou grande curiosidade.
Não é para menos: avistar o maior felino das Américas, frente a frente, em plena Mata Atlântica, é um acontecimento surpreendente e raro. Mas o avistamento da onça vai muito além de apenas um belo flagrante.
Onça-pintada registrada na estrada é identificada por pesquisadores
Reprodução Redes Sociais
Na imagem a onça estava posicionada no sentido contrário ao que o carro percorria, em poucos segundos, o animal olha para o veículo e logo segue para a mata. Aos olhos de uns o encontro pode ter sido sorte, para outros desperta o medo. Mas afinal, o que esse registro representa de fato?
Para Beatriz Beisiegel, bióloga que estuda há 20 anos as onças do Contínuo Paranapiacaba, o vídeo traz muitas mensagens e informações. A começar pelo indivíduo. Sem dificuldade a especialista detectou que animal era o Escuro, um macho que é monitorado por eles, por câmeras traps, desde 2011.
"Foi uma surpresa porque o Parque Estadual Carlos Botelho anda vazio de onças-pintadas, então foi bom ver o Escuro de volta, mas senti tristeza pelo medo dele. No vídeo ele está assustado, abaixado, pronto para fugir e realmente foge no fim.", comenta.
Familiarizada com esses felinos como ninguém, Beatriz destaca a preocupação ao ver a imagem, pois para ela é nítido quanto o animal se sentiu amedrontado diante desse encontro.
"Esse medo é evidente no vídeo, é preocupante saber que mesmo aqui, em um dos últimos refúgios destes animais na Mata Atlântica, eles ainda têm medo. Esse medo é muito contrastante com o que conheço do Escuro pelo comportamento dele nas armadilhas fotográficas. Isso significa que ainda estamos falhando em dar uma proteção real a esses animais", aponta Beatriz.
Onças-pintadas são identificadas pelas rosetas do corpo
Reprodução Guia de Identificação
De acordo com a especialista, as estradas são como grandes barreiras para os animais e essa não é a primeira vez que esse macho de onça-pintada passa por lá.
"Desde a pavimentação da SP 139 o Escuro já atravessou esta estrada várias vezes, mas talvez tenha sido a primeira vez que viu um carro. É preciso lembrar que para os ocupantes do carro foi uma sorte e tiveram um comportamento de respeito pelo bicho, porém para o Escuro, o veículo é um ser imenso e barulhento que surge de uma curva", acrescenta.
A presença deste macho de onça-pintada no PECB foi uma boa surpresa, segundo Beatriz há dois anos não tinham registro dele por ali. "Desde 2014 ele usa o Parque Estadual Carlos Botelho, embora nos últimos anos isso tenha sido bem raro", diz.
Dias antes do Escuro ser flagrado pelo turista na estrada, outra onça-pintada foi registrada durante uma trilha na região do Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (PETAR). Da mesma forma, a onça que estava na trilha correu para a mata, após se deparar com um carro.
Para Beatriz os registros terem uma semana de diferença é coincidência, porém o comportamento das onças, não.
“As onças ficam um pouco mais ativas nessa época do ano, com a seca, a disponibilidade de alimento diminui e a atividade dos bichos, em busca do alimento, precisa aumentar. Para as onças nós representamos perigo. E cada vez mais elas estão expostas a nós. Existem cada vez menos espaços sem atividades humanas. Nesse sentido dois avistamentos em datas próximas tornam-se um alerta de que as onças estão cada vez mais acuadas”, pontua.
Primeiro registro feito do escuro foi em julho de 2011 ao lado da mãe 'Modesta'
Beatriz Beiseigel
Escuro: o macho mais velho do Contínuo de Paranapiacaba
O corpo robusto e o ‘carão’ reforçam a vitalidade e resiliência de um dos poucos indivíduos de onça-pintada que reinam na floresta Atlântica do Contínuo de Paranabiacapaba (maior área contínua desse domínio natural remanescente na região Sul do Estado de São Paulo - abrange áreas protegidas como PETAR, Parque Estadual Intervales, Parque da Serra do Mar, Parque Estadual Carlos Botelho, Parque Estadual das Nascentes do Paranapanema e a Estação Ecológica de Xitué).
Com pelo menos 15 anos de vida, Escuro é considerado um idoso sendo o macho mais velho do Contínuo. Em 2011, quando foi registrado pela primeira vez em julho, ele estava ao lado da mãe, chamada pelos pesquisadores que a monitoravam de Modesta. Apesar da idade, Escuro segue ativo e perpetuando a espécie.
Câmeras flagram macho de onça-pintada na Mata Atlântica
Em 2024 as câmeras instaladas pelos cientistas na mata detectaram que ele acasalou com três fêmeas do Contínuo. Também é considerado o pai de um filhote registrado no PETAR nos últimos tempos.
“Após dez anos os animais já são idosos, mas aqui no Contínuo de Paranapiacaba temos mais onças longevas, a mãe do Escuro viveu pelo menos 13 anos. Na natureza, as onças mais velhas de que se tem registro viveram 22 a 23 anos”, explica Beatriz.
Armadilhas fotográficas registram os felinos que resistem na Mata Atlântica
Beatriz Beisiegel
Onça na Mata Atlântica
Apesar de ser forte, imponente e um animal topo de cadeia, o maior felino das Américas sofre muitas ameaças e pode ser considerado sensível diante dos riscos que enfrenta para sobreviver.
Na Mata Atlântica, o felino está criticamente em perigo de extinção, abrigando menos de 300 animais em todo o domínio natural. Na região do Contínuo de Paranapiacaba a população diminuiu drasticamente ao longo dos anos e os pesquisadores acreditam que não existam mais de 25 indivíduos neste território.
Mas seria possível reverter essa situação de ameaça e aumentar a população das onças-pintadas na Mata Atlântica? Para Beatriz a resposta é positiva.
“Sim, é preciso proteger e conectar. Proteger as florestas com a criação e implementação de unidades de conservação, proteger as onças com a eliminação da caça dos felinos e das suas presas. Promover a conexão entre as grandes e pequenas áreas onde ainda existem esses animais”, acrescenta a pesquisadora que afirma ainda que as UC’s são fundamentais para a sobrevivência da onça-pintada.
“As áreas protegidas e principalmente unidades de conservação são essenciais para a existência desse felino. Elas precisam de imensas florestas íntegras, com presas abundantes
para conseguir sobreviver. Essas grandes florestas são formadas principalmente por unidades de conservação. Se as áreas protegidas forem de fato protegidas, se forem grandes o suficiente para abrigar grandes populações de onças e de suas presas e forem conectadas entre si, para que haja troca de indivíduos e genes entre eles, as populações irão crescer”, afirma
Livro 'Guia de identificação - Onças-pintadas do Estado de São Paulo' traz informações dos felinos
Reprodução
Identificação das onças-pintadas do Estado de São Paulo
Mais de 50 indivíduos de onças-pintadas foram identificados ao longo de décadas de trabalho nas Unidades de Conservação do estado de São Paulo. O compilado de boa parte desses estudos resultou na criação de um livro – Guia de Identificação de Onças-Pintadas. O material pode ser acessado online e baixado em PDF.
O trabalho, pioneiro na América Latina, une educação ambiental e pesquisa científica. No livreto, além de adquirir informações sobre o maior felino das Américas, é possível conhecer a história dos indivíduos que foram e dos que seguem sendo monitorados pelos pesquisadores a partir do uso das armadilhas fotográficas.
VÍDEOS: Destaques Terra da Gente
Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente